Discípulo do Mestre de Nazaré e também escritor, articulista, professor e administrador (detalhes).

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

O Jejum Bíblico

A prática do jejum, enquanto abstenção voluntária da ingestão de alimentos [ou outras abstenções voluntárias] durante um determinado período de tempo, continua sendo importante para o cultivo da espiritualidade. Por toda a Bíblia encontramos passagens com menção ao jejum como forma de oração, ou como algo que acompanha a oração, e que - para Deus - diz alguma coisa importante (sobre nossas prioridades, nossa devoção, nossa fé).

O jejum, dessa forma, ataca diretamente o nosso impulso vital pela comida e pela bebida [considerando este viés, que é o mais importante]. Apesar do apetite ser algo necessário à sobrevivência, não podemos viver em função da comida. Seria ridículo se fôssemos tão incontinentes por causa da comida a ponto de atropelar os valores racionais e espirituais da nossa existência. Mas se voltarmos ao Éden, veremos que foi mais ou menos isso que Adão e Eva fizeram, declarando para Deus - com sua atitude sem freio - de insana curiosidade - que o desejo da carne era mais importante do que dar ouvidos à voz de Deus.

O jejum é tão importante que Jesus Cristo começou o seu ministério jejuando 40 dias. Naquilo em que o primeiro Adão cedeu, dando mais importância ao valor terreno das coisas, conforme ditado pela sua necessidade física (legítima, mas nem por isso absoluta), o segundo Adão, por sua vez, venceu justamente porque não aceitou jogar para o fim da fila os valores espirituais do Reino de Deus, reconhecendo que “nem só de pão viverá o homem, mas de toda Palavra que sai da boca de Deus” (Mateus 4:4). Com sua atitude, Jesus estava dizendo: “Primeiro o Reino de Deus, primeiro a vontade do meu Pai que está no Céu, primeiro a obediência à ordenação divina”. A vontade da carne jamais foi o motor do ministério de Jesus, pelo contrário, sua comida era fazer a vontade do Pai e realizar a sua obra (João 4:34).
Ora, todo dia somos confrontados com esse mesmo apelo da carne, que em si não tem nada demais, mas que, porém, quando se torna o fator determinante das nossas ações, leva-nos a agir como animais irracionais, que vivem em função exclusiva do corpo físico, dos seus apetites carnais, do desejo incontrolado por satisfação própria. Assim, o jejum serve para evidenciar para nós mesmos, em primeiro lugar, que a vontade do homem tem que estar sujeita ao propósito divino, que não somos senhores de nós mesmos, que a nossa necessidade física e material não determina a nossa vida. Em segundo lugar, serve para mostrar para Deus e toda a nuvem de testemunhas que povoa o reino espiritual, que nossa prioridade é buscar, conhecer e fazer a vontade de Deus, não importa quanto isso nos custe.
A pessoa que vive em função do seu ego busca sempre satisfazer os seus interesses em primeiro lugar e essa forma de vida egoísta não permite o desenvolvimento espiritual. Quem age assim fica refém dos seus próprios desejos e é o primeiro a querer safar-se numa situação de “salve-se quem puder”, tornando-se réprobo para o serviço do Reino de Deus. Se alguém tiver chamada pastoral, vai ter que enfrentar o lobo quando este arremeter contra as ovelhas, mesmo que essa atitude implique risco. O mercenário foge, diz a Bíblia, mas o verdadeiro pastor defende o rebanho. Mas o que isso tem a ver com jejum? Quem está disposto a abrir mão da comida, mostra que também está apto a abrir mão de outros impedimentos ao seu fecundo ministério. O jejum revela alguém capaz de renunciar direitos em favor da misericórdia, ou de renunciar vontades em favor de propósitos mais elevados. Dessa maneira, o jejum é um passo inicial numa caminhada mais longa, rumo à perfeição ou ao amadurecimento espiritual.
Do ponto de vista devocional, o jejum associa-se à oração, o que confere mais intensidade à busca por aquilo que realmente importa. Jesus mesmo disse que determinadas castas de demônios só podiam sair com jejum e oração (Mateus 17:21). Não sei precisar o motivo exato dessa condição, mas posso garantir que Jesus sabia o que dizia. No entanto, a gente depreende que o jejum e a oração são termômetros da nossa vida espiritual, da intensidade da nossa busca. Quem mais busca, mais recebe, simples assim. Não adianta eu dizer que busco a Deus, se as minhas obras contradizem a minha fala, ou se a minha prática não o demonstra.
Enquanto estamos neste tabernáculo corruptível, precisamos aprender a prestar a Deus o nosso culto racional, no qual todo o nosso espírito e alma e corpo são apresentados irrepreensíveis diante dEle em amor (1 Tessalonicenses 5:23). Jesus, citando o Deuteronômio, nos ordena: “Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento” (Marcos 12:30). Assim, não há opção para servir a Deus pela metade, ou apresentar a Ele uma dedicação incompleta: “Maldito aquele que fizer a obra do Senhor negligentemente” (Jeremias 48:10a).
Todas as nossas forças deverão ser empregadas no serviço requerido por Deus, como prova do nosso amor para com Ele. Nesse aspecto, o jejum prova até certo ponto nossa dedicação às coisas sagradas, sendo corroborado com a oração.
Outro aspecto importante do Jejum é que este se torna o primeiro passo para ter controle de si mesmo ou domínio próprio. Quando nos privamos no nível básico e elementar, no tocante às nossas necessidades fisiológicas, estamos adquirindo aptidão para nos controlarmos também no nível mais elevado da nossa espiritualidade, quando as intenções do coração forem postas à prova, para que recebamos o louvor (e não desonra).
Quem renuncia a um bem menor está habilitando-se ao gozo de um bem maior. O abrir mão de manjares passageiros, ou de vantagens imediatas, denota maturidade espiritual. Assim também Jesus, “pelo gozo que lhe estava proposto, suportou a cruz, desprezando a afronta, e assentou-se à destra do trono de Deus” (Hebreus 12:2). Uma criança por exemplo, não sabe dizer não a um doce ou parar com uma diversão que lhe dá prazer para usufruir daqueles objetos numa outra oportunidade futura. A criança só vê o aqui e agora. Por isso, sempre que abdicamos de coisas ou possibilidades temporais, habilitamo-nos a receber ou alcançar as eternas.
Indo um pouco além do jejum da comida, a Bíblia destaca outras situações que precisamos aprender a dominar, além da fome. Tiago afirma, por exemplo, que quem refreia a sua língua, consegue dominar o corpo todo: “Todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça em palavra, esse é homem perfeito, e capaz de refrear também todo o corpo” (Tiago 3:2). Deus conhece a nossa estrutura e sabe que não somos perfeitos, por isso o caminho do desenvolvimento espiritual inclui o exercício do domínio próprio, exigindo renúncia e negação de si mesmo: “E dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me” (Lucas 9:26).
O jejum, portanto, é uma forma de negação de si mesmo, de sacrifício espiritual agradável a Deus, dentro do contexto mais amplo da verdadeira religiosidade, pois não é apenas um ritual ascético ou um mandamento legalista, mas um meio prático de comunicar nossa verdadeira prioridade, a qual deve ser sempre Deus, o seu Reino, as suas virtudes, a sua vontade. E o maior exemplo desse estilo de vida santo foi e sempre será Jesus Cristo, nosso precursor, o primogênito entre os irmãos, o príncipe da nossa salvação, autor e consumador da nossa fé.

terça-feira, 15 de agosto de 2017

O DOMÍNIO É DE DEUS




A natureza e todas as coisas criadas estão sob o domínio de Deus
“E este negócio também pareceu mau aos olhos de Deus; por isso feriu a Israel. Então disse Davi a Deus: Gravemente pequei em fazer este negócio; porém agora sê servido tirar a iniquidade de teu servo, porque procedi mui loucamente. Falou, pois, o Senhor a Gade, o vidente de Davi, dizendo: Vai, e fala a Davi, dizendo: Assim diz o Senhor: Três coisas te proponho; escolhe uma delas, para que eu ta faça. E Gade veio a Davi, e lhe disse: Assim diz o Senhor: Escolhe para ti, ou três anos de fome, ou que três meses sejas consumido diante dos teus adversários, e a espada de teus inimigos te alcance, ou que três dias a espada do Senhor, isto é, a peste na terra, e o anjo do Senhor destrua todos os termos de Israel; vê, pois, agora, que resposta hei de levar a quem me enviou. Então disse Davi a Gade: Estou em grande angústia; caia eu, pois, nas mãos do Senhor, porque são muitíssimas as suas misericórdias; mas que eu não caia nas mãos dos homens. Mandou, pois, o Senhor a peste a Israel; e caíram de Israel setenta mil homens” (1 Crônicas 21:7-14).
Que Deus é esse que conduz todas as coisas e que tem nas suas mãos o poder de matar e de dar a vida? Neste texto usado como referência para esta reflexão, vemos que Deus tinha sob seu controle os elementos da natureza (fome e seca – domínio do clima), a lâmina da espada dos inimigos do povo de Deus (derrota bélica – controle do alcance e da efetividade das armas inimigas) e a peste sobre a terra (doença e morte – ação direta de Deus, por meio do seu anjo). Anote isso: Deus tem tudo sob o seu controle. Jesus disse que nem um fio de cabelo da nossa cabeça cai se Deus não o permitir (confira Lucas 21:18 e 2 Samuel 14:11).
Precisamos aprender que o Reino pertence a Deus, como nos ensina Daniel: “Esta sentença é por decreto dos vigias, e esta ordem por mandado dos santos, a fim de que conheçam os viventes que o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens, e o dá a quem quer, e até ao mais humilde dos homens constitui sobre ele” (Daniel 4:17).
Apesar do seu pecado, Davi sabia que Deus era diferente dos homens e que, por isso, usaria de misericórdia. Este conhecimento preservou Davi de dores adicionais. Deus é o soberano absoluto sobre tudo o que se nomeia no Céu e na Terra, justo na exata proporção do termo, mas com ele está a misericórdia, para com os que o temem e o buscam. Davi aprendeu que era melhor cair na mão de Deus, do que nas mãos dos homens. Veja que foi uma sábia decisão, porque os homens costumam se exceder no castigo, mas Deus nunca se excede e, pelo contrário, quando sensibilizado pela oração e humilhação do filho arrependido, atenua o juízo.
Aprendemos também neste texto, apesar de duro e rígida disciplina, que Deus corrige a quem ama. A ação de Deus foi uma dura reprimenda contra Davi, mas o povo foi quem pagou o preço. Todavia, não há como negar que Davi sofreu vendo pessoas inocentes sendo vitimadas pela peste, sabendo que ele, enquanto rei, era o verdadeiro causador daquela tragédia. Talvez do ponto de vista humano e lógico não encontremos explicação para a forma como Deus executou seu juízo, mas sabemos que o Senhor é sempre justo e perfeito em seus caminhos. De qualquer forma, fica a lição: Deus não deixa passar em branco o pecado. Justamente a quantidade do povo, que havia sido recenseado por Davi, na qual ele aparentemente colocava sua confiança, foi drasticamente reduzida. Isso Deus faz para que aprendamos a confiar nEle para ter vitória em nossas pelejas. A nossa fé precisa estar em Deus. E a Escritura corrobora essa visão, quando diz que “tudo o que não é de fé é pecado” (Romanos 14:23).